Em O caçador chegou tarde, Luís Henrique Pellanda maneja de maneira precisa as ferramentas da criação literária e entrega uma sólida coleção de contos. Em um trânsito por matérias variadas e munido de inúmeras técnicas narrativas e poéticas, Pellanda vai da fantasia o realismo, da introspecção à descrição, do peso à leveza, do anedótico ao existencial. Este livro se abre como um mapa repleto de rotas que nos levam para intensas viagens que, se por um lado não encantam, não deixam de guardar algum risco.

Uma preparadora de textos – convertida em autora – monologa com a editora Lídia Cíntia propondo uma espécie de desafio à ação da escrita e à função de todos os escritores. Dentro desse quadro metatextual, desenrola-se a história da escritora negra Carolina. Sua educação e amadurecimento, as marcas do racismo que a acompanharam ao longo da vida. Contar essas histórias de silenciamento, as dificuldades oriundas da cor da pele e sua revolta contra esse estado de coisas, marcam a construção do romance como um espaço de desforra e ao mesmo tempo de defesa em respeito à diversidade e à justiça, motivos de indenizações simbólicas.

Acompanhados pela avó, que numa poltrona tece uma colcha, três irmãos (dois meninos e uma menina) exploram as estantes e leem na tarde chuvosa. Mas logo a menina, de 17 anos, desaparece e o menino mais novo quer saber onde ele está. Levado pelo irmão mais velho, o pequeno descobre que a irmã entrava nos livros, a convite dos personagens, que queriam ouvi-la contar histórias. Esse é o começo de uma aventura para a qual somente os leitores são convidados.

Grão de arroz é uma narrativa visual que conta a história de Betânia, uma personagem que é afastada da de sua mãe para morar com sua avó em um ambiente frio e nada acolhedor. Por meio das ilustrações e texto de Aline Abreu acompanhamos os refúgios que Betânia encontra nos livros e nas lembranças boas de seus pais. A obra trata sobre a vida, sobre um outro livro, sobre as miudezas que cabem na imensidão. É sobre crescer em qualquer condição, mas sempre perto daquilo que importa de verdade.

Três filhos adultos, todos com o mesmo nome e, por isso, chamando-se de Primeiro, Segundo e Terceiro, vivem em uma antiga casa de madeira com a mãe já idosa, em uma cidade do interior do país. Controlados pela velha senhora e pela relação de dependência que juntos construíram, os três vivem fechados em si mesmo para manter os costumes da família e a memória do pai, morto quando eles ainda eram muito pequenos. Até o momento em que o mais jovem, Terceiro, um professor primário, faz a primeira viagem de sua vida e nela descobre o amor e o desejo de conhecer as origens de sua família, a chegada do avô espanhol ao Brasil, no começo do século XX.

Publicado originalmente em 2002, o romance histórico A casa das sete mulheres, de Leticia Wierzchowski, apresenta a Guerra dos Farrapos, motivada pelo desejo de independência da província do Rio Grande do Sul em relação ao Império do Brasil. O que chama a atenção é que os eventos são narrados pela perspectiva das mulheres da família do líder revolucionário Bento Gonçalves, que, apesar de não participarem diretamente dos confrontos, sofrem suas consequências. Em 2003, a obra ganhou uma popular adaptação para a televisão pela Rede Globo, em formato de minissérie. Agora, recebe esta nova adaptação, desta vez em quadrinhos, pelas mãos de Verônica Berta e Leticia Wierzchowski.

Ao longo de 13 contos, Maurício de Almeida mescla o tom lírico e o testemunho da antiguidade do afeto, o amor como o passado do passado. Contos entorpecentes que também podem ser lidos como capítulos de um romance. Um livro sobres as estradas que cortam o Brasil e seus povos originários.

Nesta obra, Bernardo, um adolescente de dezesseis anos, aceita o convite de Yeda, sua psicóloga, para escrever sobre seus dias e seus sentimentos, em um exercício de autoconhecimento. Com texto sensível e bem-humorado, Eu, Bernardo trata de dramas comuns na vida de adolescentes e jovens, que sentem o peso de crescer, esforçando-se para preservar sua subjetividade em meio a exigências culturais e produtivas que se colocam como orientação para uma pretensa e sufocante normalidade.

O livro é feito de fotografias e contos. As imagens abrem e fecham o objeto, criando materialmente um acolhimento às histórias que ali já começam a ser contadas e a suspensão do tempo necessária à sua leitura. Os quatorze contos têm como tema relações afetivas que constituem, nas singularidades da vida comum, a condição de mães, pais, filhos, irmãos, tios e até mesmo bichos de estimação, trazendo à tona aspectos muitas vezes opacos e invisíveis do cotidiano comezinho, feito também de grandes tragédias. Com texto e imagens silenciosos que convocam os leitores à intensidade do não dito e do não mostrado, Fronteiras visíveis celebra as pequenas coisas que nos fazem quem somos e que dizem muito de como vivemos.

Herança conta história de uma família em três vozes: a de Sarah K., nascida em Lódz, na Polônia, em 1926; a de Clara K., nascida em São Paulo, em 1949; e a de Lola K., nascida no Recife, em 1984. Três gerações de uma mesma família dividem com os leitores suas experiências com o Nazismo. Lemos o diário de Sarah e partilhamos de sua descoberta do amor, ao mesmo tempo que assistimos ao terror da vida no gueto e ao extermínio em Auschwitz. De Clara, filha de Sarah, sabemos por meio de trechos de suas sessões de psicanálise. Lola, neta de Sarah, filha de Clara — e mãe de Luiza —, escreve notas do que aos poucos descobre sobre sua família, tomando a própria vida por esse prisma. Nas três mulheres estão as marcas indeléveis dos campos de concentração, que reverberam intensamente em suas histórias. As perdas de Sarah K., ainda na Polônia, são objeto de melancolia e luto para Clara e Lola, décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial, assim como os horrores desta seguem impregnados em nossa humanidade.

Toda cicatriz desaparece reúne quarenta textos de Rogério Pereira, selecionados pelo escritor Luiz Ruffato, que têm como tema a infância. O pai bêbado e violento, a mãe doente e amargurada, a irmã morta muito jovem, a pobreza, a lembrança das avós e de antigos colegas de escola compõem as histórias contadas e recontadas pelo adulto impregnado pelo menino magrela e daltônico. Uma bola de plástico, um guarda-chuva velho e banhos em chuveiros improvisados com latas de tinta, assim como outros elementos recorrentes nas narrativas, estruturam uma infância indelével na vida do escritor adulto.

Na aldeia onde o menino Porã vive, a idade de seus membros é contada pelas castanhas de caju que cada um vai acumulando, uma por ano. A temporada da fruta, adorada e esperada por todos, marca também a passagem do tempo. Quando o avô do curumim morre, suas setenta castanhas ficam para o neto, junto com a responsabilidade de liderar sua aldeia, quando alcançasse a vida adulta. Cumprindo seu destino e com os ensinamentos do avô no coração, Porã encontra, nas castanhas, os caminhos, nem sempre pacíficos, para cuidar de seu povo.

Um deserto de estranhas veredas é composto de uma longa entrevista concedida ao escritor, pesquisador e professor universitário Eloésio Paulo, em que Luiz Ruffato trata de sua escrita e de seu universo ficcional, tendo como eixo alguns de seus livros. O volume traz também um apanhado da produção do autor no Brasil e no exterior, além de fortuna crítica com trabalhos, especialmente dissertações e teses acadêmicas, mas também artigos de crítica literária publicados em veículos especializados e na imprensa, sobre sua obra. Traz ainda três textos emblemáticos de sua produção: uma crônica e um depoimento sobre sua formação, desde a infância na mineira Cataguases, e um ensaio sobre a presença de imigrantes italianos em Minas Gerais, tema muito presente em seus livros, em função de suas origens familiares.

A princípio, um retrato é feito do outro e do que dele vemos. E ainda do que lembramos e no que pensamos ao ver. Mas lentamente aprendemos que há muitos e inusitados elementos em sua composição. Retratos – desenhos de admiração é um livro de difícil e dispensável classificação. Ao mesmo tempo que reúne retratos desenhados e esculpidos em papel pelo artista ao longo dos anos, divide com o leitor reflexões poético-filosóficas sobre as artes e a experiência humana. Escritores, poetas, músicos, pintores, desenhistas, atores, arquitetos, cientistas, homens e mulheres compõem esse diário artístico-afetivo que Carlos Dala Stella oferece aos leitores.

Na melhor tradição da crônica brasileira, Luís Henrique Pellanda ilumina o cotidiano e suas miudezas. Acontecimentos curiosos, desconhecidos transeuntes, a presença amorosa (ainda que discreta) da filha pequena, os afagos da natureza e, principalmente, a cidade e suas ruas e praças – que podem ser as de Curitiba ou muitas outras do mundo – fazem essa história poética da vida comum. Entre textos mais narrativos, que contam pequenas histórias, e exercícios de observação, as crônicas de Calma, estamos perdidos são um convite a uma experiência dilatada do tempo e do espaço.

Vivendo em uma pequena casa à beira-mar, distante de outras pessoas, um homem já velho observa com sua luneta a imensidão da água, como se esperasse algo. Em uma manhã, acompanhado por dezenas de gaivotas e pelo pássaro que vive com ele, encontra uma garrafa com um papel dentro, trazida pelas ondas. Esse é o ponto de partida para a narrativa de Rogério Coelho, construída com sofisticadas, poéticas e eloquentes ilustrações. Os leitores atentos e pacientes embarcarão nesse livro silencioso e sensível de encontros, desejos, saudades e sonhos, descobrindo em cada detalhe desenhado e no matiz das cores novos elementos da história.

Nina é uma criança que, ao contrário de suas amigas, de sua mãe e das mães de suas amigas, não gosta da cor rosa e de muitas outras coisas que, dizem, foram feitas para as meninas. Em uma narrativa bem-humorada, assistimos à irreverência de Nina, que, com delicadeza e coragem, insiste em escolher seus próprios caminhos. O livro é feito com palavras e imagens, e suas poucas cores – preto, cinza, rosa e azul – intensificam os sentidos sugeridos pelo texto verbal, convidando os leitores a uma história que se renova a cada leitura, quando novos detalhes e sua relação com o que está sendo contado se apresentam.

Nem sempre sabemos explicar nossos desejos, ainda que tenhamos certeza deles. Assim é a história do personagem desse livro, que queria ser árvore. Era junto à árvore do quintal de sua casa, que já estava lá quando ele nasceu e que acompanhou seu crescimento, que o menino se sentia mais pleno e em paz. O pequeno cuidava da árvore grande, às vezes até mesmo em enfrentamento à natureza, com seus episódios de seca e de água em abundância. Cada um à sua maneira, eles se protegiam. E também a seu modo, árvore e menino se guardaram, fraternamente, por toda a vida.

O coração às vezes para de bater é uma novela em forma de carta, escrita pelo narrador a um amigo que é atropelado na rua enquanto eles andavam de skate juntos. Esse narrador é um adolescente que vive no Rio de Janeiro com a família desde a infância e, numa manhã de sábado, conhece uma menina na praia: Paloma, por quem sente um carinho especial. Enquanto ele tem uma relação distante com os pais e a irmã, na casa de Paloma assiste a uma convivência familiar amorosa e amigável. A amizade, a descoberta do amor, os conflitos familiares, as perdas e a angústia de crescer são os elementos da envolvente e sensível história contada por Adriana Lisboa.

Os vinte e cinco poemas desse livro são um elogio às infâncias e à fantasia. Com texto e ilustrações, Leo Cunha e Anna Cunha passeiam por brinquedos e brincadeiras que fazem parte da história das crianças brasileiras, as de hoje e as de ontem: amarelinha, varetas, pula-carniça, bola, boneca, dominó, esconde-esconde, bambolê, vaca amarela, videogame... Os versos e os livros, e também o gesto de arranjar as palavras em poesia, fazem parte desse inventário, que recria a memória com ritmos, melodias, cores e, claro, sons imaginários da alegria de brincar.

Nesta obra, Bernardo, um adolescente de dezesseis anos, aceita o convite de Yeda, sua psicóloga, para escrever sobre seus dias e seus sentimentos, em um exercício de autoconhecimento. Com texto sensível e bem-humorado, Eu, Bernardo trata de dramas comuns na vida de adolescentes e jovens, que sentem o peso de crescer, esforçando-se para preservar sua subjetividade em meio a exigências culturais e produtivas que se colocam como orientação para uma pretensa e sufocante normalidade.

Nicolas, um jovem rapaz, acorda em um quarto branco, inicialmente preso a uma cama e posteriormente diante de vídeos em que ele próprio é o protagonista, e tenta entender o que está acontecendo. De acordo com as poucas pessoas com quem se encontra – médico e cuidadores –, o rapaz assinou um contrato, com a concordância de sua família, para estar ali. Mas tudo parece estranho e sem sentido para Nicolas, especialmente quando outro participante da experiência, também um jovem rapaz, começa a chamar sua atenção para pontos obscuros de tudo aquilo. Labirinto no escuro é uma trama instigante sobre ética e ciência.

Sob as ordens do engenheiro João Gaspar está a construção de um edifício com infinitos andares, o maior arranha-céu de que se tem notícia. Contratado por um Conselho Superior para tal tarefa, mesmo sem conhecer as finalidades do empreendimento, seu dever é cuidar de cada detalhe da complexa obra e evitar, a qualquer custo, desavenças entre os operários, em razão da lenda de que, ao chegarem ao octingentésimo andar – sim, oitocentos andares! –, os conflitos entre os trabalhadores seriam inevitáveis. Além disso, João Gaspar não poder ter a pretensão de ver o prédio finalizado. Absurda, a narrativa de Murilo Rubião, mestre do realismo fantástico, tem sua estranheza poetizada pelas ilustrações de Nelson Cruz.

Os contos reunidos em A estação das pequenas coisas narram histórias de famílias – pais, filhos, irmãos, avós, tios e primos –, oferecendo aos jovens leitores um mosaico de encontros, perdas, separações e momentos felizes. Escritos e publicados em épocas distintas da trajetória do autor, uma das vozes mais inventivas da literatura brasileira contemporânea, eles revelam a intensidade do cotidiano e da vida comum nas histórias contadas. Lenta e silenciosa, sua leitura ilumina as pequenas alegrias e dores que nos habitam e que nos fazem quem somos.

Desaforimos é composto de doze poemas, todos feitos com palavras e imagens. Eles são apresentados em páginas duplas, que juntas compõem uma única experiência de ver e ler, como é próprio dos livros ilustrados. Marcado pelo humor, o livro convida as crianças a várias leituras, sempre renovadas pela percepção de detalhes antes não vistos nas ilustrações, pela sonoridade das palavras, pela descoberta de novos sentidos criados pelo design na materialidade do livro. Um livro para ler, ouvir, ver e brincar!

O cortiço, publicado em 1890, é um marco da literatura brasileira. Com atenção especial aos tipos humanos e aos detalhes que os compõem, Aluísio Azevedo constrói um panorama das classes baixas e de seus conflitos cotidianos, mostrando ao leitor que a relação entre explorador e explorado se manifesta em qualquer ambiente. É nos tipos clássicos de João Romão, Bertoleza, Rita Baiana e Jerônimo que encontramos o Brasil do passado e o do presente. Os fios narrativos são múltiplos, os conflitos dos personagens eclodem em cada página. Não há a ordem de começo, meio e fim que permeava a arte romanesca da época; a própria estrutura do livro parece estabelecida no caos e na lama dominantes – tudo acontece ao mesmo tempo, todos se tornam produtos das circunstâncias. É impossível sairmos indiferentes à leitura de O cortiço, um romance que provoca no leitor, na exuberância do seu naturalismo, todo tipo de reação.

Neste romance, um dos últimos publicados em vida por José de Alencar, encontramos o retrato da burguesia carioca ociosa e fútil em fins do século XIX. Aurélia, herdeira de grande fortuna, frequenta a sociedade fluminense da época – passa as noites em bailes suntuosos e os dias em seu palacete no bairro das Laranjeiras. No entanto, sua vida muda quando decide casar-se com Fernando Seixas, rapaz pobre que se faz de rico e frequenta as mesmas rodas sociais. Entre a ganância e a humilhação financeira, ambos estabelecem um romance conflituoso e fadado ao desastre. Senhora é um dos perfis psicológicos que José de Alencar explora em seu ciclo de romances urbanos. Com o tom romântico característico da época, o autor nos mostra o reflexo dos costumes de uma elite brasileira que estava em ascensão, mas já fadada ao declínio.

Em Mensagem, Fernando Pessoa — dessa vez, não se valendo de nenhum de seus heterônimos — revisita a crônica histórica de Portugal. Ao mesmo tempo que faz um apanhado historiográfico, reelabora esse passado repleto de conquistas de maneira poética, produzindo sua própria mitologia nacional, por meio de símbolos que não necessariamente coincidem com os oficiais. Desse modo, os 44 poemas reunidos nesse volume não expõem a história lusitana conforme documentada, e sim propõem uma investigação poética sobre as narrativas que sustentam uma nação e que são capazes de conduzi-la tanto à glória quanto à decadência. Essa obra, o único livro de poemas em português de Pessoa publicado em vida, é um dos pilares do modernismo de Portugal, sendo, por muitos, considerada o principal trabalho de seu autor mais proeminente.

Quincas Borba narra a história de Rubião, que herdou a fortuna de seu falecido amigo e mestre, o filósofo Quincas Borba, com uma única condição: cuidar de seu cachorro, também chamado Quincas Borba. Depois desse enriquecimento súbito, o homem muda-se de Barbacena para o Rio de Janeiro, onde começa a viver em meio à elite local. Nesse contexto, ele conhece Cristiano Palha e sua esposa Sofia, por quem se apaixona. O casal vê nessa paixão a oportunidade de se aproveitar de Rubião e de sua fortuna, vivendo às suas custas. Aos poucos, as relações de Rubião começam a se deteriorar ao mesmo tempo que ele vai enlouquecendo. Na obra, Machado de Assis traça uma ácida crítica à sociedade carioca, que se mostra sempre movida por interesses escusos. Valendo-se da narração em terceira pessoa, o autor ainda constrói com sofisticação o avanço da loucura de Rubião, que se revela aos poucos ao leitor.

Gregório de Matos foi o principal nome da poesia barroca brasileira. A maior parte de seus poemas contém sátiras bastantes sofisticadas com duras críticas a figuras públicas, a instituições que detinham poder, a pessoas do convívio diário e, até mesmo, à própria terra. Sua obra oferece, simultaneamente, uma amostra do melhor que o código barroco produziu em língua portuguesa e um retrato da vida em solo brasileiro durante o século XVII.

Em Dom Casmurro, Bento Santiago narra, durante a velhice, a história de sua juventude. Quando menino, ele se apaixona por Capitolina, filha de seus vizinhos, carinhosamente chamada de Capitu. Contudo, existe um entrave a qualquer relacionamento entre os dois: uma promessa feita pela mãe de Bento de que ele seria padre. Já no seminário, o rapaz conhece Escobar, que se torna um grande amigo e o ajuda a encontrar uma solução para seu problema e escapar da carreira religiosa. Depois disso, Bento estuda Direito em São Paulo e retorna ao Rio de Janeiro, onde se casa com Capitu. O relacionamento entre os dois sofre um abalo quando ele passa a desconfiar que está sendo traído. Suspeitando que a esposa o trai com Escobar, Bento vê até mesmo traços do amigo em Ezequiel, seu filho. Nesse emblemático romance da literatura brasileira, Machado de Assis constrói com sutileza e muitos toques de ironia a história de um homem que se deixa corroer por seus próprios medos e inseguranças. Trata-se de uma das obras mais representativas do estilo que consagrou o importante autor.

A literatura de Lima Barreto é marcada pela dura crítica social, pela sátira e pela ironia. Nesse sentido, o conto “O homem que sabia javanês” é exemplar, na medida em que tece uma crítica à cultura dos bacharéis, muitas vezes sustentada por aparências, conforme narra a história de Castro, um homem cuja carreira se sustentou por mentiras e falsa erudição. Os textos reunidos no volume oferecem uma reflexão cáustica acerca das mazelas e contradições do Brasil na passagem do século XIX para o XX.

Com O marinheiro, Fernando Pessoa abre as portas do teatro português ao drama moderno, na medida em que substitui a ação e a trama pela profunda reflexão filosófica de vozes que mais se atravessam do que propriamente dialogam. Na peça, três mulheres varam a madrugada velando o corpo de uma quarta, enquanto esperam o amanhecer. Nesse contexto, elas refletem sobre questões como a morte, a vida, o limite entre sonho e realidade, chegando a questionar a própria existência do mundo. O drama carrega muitos temas caros ao universo pessoano e a seus heterônimos, relacionando-se especialmente com a poesia de Alberto Caeiro, no questionamento da realidade das coisas, e com a prosa de Bernardo Soares, em seu forte esforço reflexivo.

Em Úrsula, conhecemos a trágica história de amor de Úrsula, uma jovem simples, e Tancredo, bacharel proveniente de uma família rica. A relação dos dois é dificultada pelo tio da moça, o Comendador Fernando, que deseja se casar com ela. Diferentemente de outros romances do Romantismo brasileiro, a obra se envolve profundamente no debate sobre a escravização, especialmente por meio dos dramas dos escravizados Túlio, Mãe Susana e Antero. Ao abordar esse tema tantas vezes escanteado por seus contemporâneos, Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista negra do Brasil, mostra sua força como escritora. Por meio da literatura, a autora se engaja em uma importante causa social, retratando humanamente os sofrimentos e a dura realidade dos escravizados, além de assumir uma posição marcadamente abolicionista. Portanto, para além de sua estrutura central tipicamente romântica, Úrsula consiste em um veículo de denúncia e transformação social.

A expressiva poesia da portuguesa Florbela Espanca (1894-1930) garante um intenso tratamento lírico a temas como o amor, o desejo, a saudade, a tristeza, o sofrimento e a morte, com agudeza técnica e imagens poéticas potentes. Em um cenário literário até então dominado por homens, a importância da poeta não se restringe ao grande valor de seus textos, mas se estende em direção a uma batalha pela igualdade entre os gêneros, manifestada em sua luta por espaço e reconhecimento.

Em uma narrativa econômica e intensa, acompanhamos em fragmentos, ano a ano, a vida de um rapaz que se muda do interior da Bahia para São Paulo, em busca de uma vida melhor. O minúsculo barracão que constrói para morar com Adelina, que se alimenta da saudade que sente da Bahia, em um local inicialmente desabitado na capital, vai se transformando em casa à medida que os filhos nascem e morrem. O trabalho árduo e a vida difícil impregnam a trajetória de todos, que têm nas perdas e nas limitações da pobreza sua sina.

Ao longo de 13 contos, Maurício de Almeida mescla o tom lírico e o testemunho da antiguidade do afeto, o amor como o passado do passado. Contos entorpecentes que também podem ser lidos como capítulos de um romance. Um livro sobres as estradas que cortam o Brasil e seus povos originários.

Lucíola, publicado em 1862, romance que inaugura os perfis femininos escritos por José de Alencar, conta a história de Lúcia, prostitua bem-sucedida que circula na alta sociedade carioca do século XIX. Com uma história de vida trágica, Lúcia acostumou-se a conviver com homens mesquinhos e hipócritas, até conhecer Paulo, o narrador do romance, que desenvolve um amor puro pela protagonista e irá comprometer-se com ela de muitas formas ao longo da narrativa. Em um tom epistolar contínuo que dá camadas de realidade ao que está contado, o narrador se comunica com G.M., pseudônimo adotado por José de Alencar, e tece, desde o início, a história de seu amor por Lúcia. Entre a pureza e a perversão de uma época que os costumes da sociedade foram narrados por grandes escritores, Lucíola nos mostra as barreiras de preconceito e maledicência que os protagonistas precisam enfrentar para viver seu amor.

Um deserto de estranhas veredas é composto de uma longa entrevista concedida ao escritor, pesquisador e professor universitário Eloésio Paulo, em que Luiz Ruffato trata de sua escrita e de seu universo ficcional, tendo como eixo alguns de seus livros. O volume traz também um apanhado da produção do autor no Brasil e no exterior, além de fortuna crítica com trabalhos, especialmente dissertações e teses acadêmicas, mas também artigos de crítica literária publicados em veículos especializados e na imprensa, sobre sua obra. Traz ainda três textos emblemáticos de sua produção: uma crônica e um depoimento sobre sua formação, desde a infância na mineira Cataguases, e um ensaio sobre a presença de imigrantes italianos em Minas Gerais, tema muito presente em seus livros, em função de suas origens familiares.

Apesar de participar da fundação da Academia Brasileira de Letras, Júlia Lopes de Almeida foi injustamente excluída do quadro de membros da associação, que, no período, optou por não aceitar mulheres. A prosa da autora caracteriza-se pela manutenção de alguns traços da literatura realista, os quais, em diversos momentos, cedem espaço ao fantástico. Em A falência, a autora discute temas como adultério feminino e a decadência da burguesia após a escravidão.

O livro é feito de fotografias e contos. As imagens abrem e fecham o objeto, criando materialmente um acolhimento às histórias que ali já começam a ser contadas e a suspensão do tempo necessária à sua leitura. Os quatorze contos têm como tema relações afetivas que constituem, nas singularidades da vida comum, a condição de mães, pais, filhos, irmãos, tios e até mesmo bichos de estimação, trazendo à tona aspectos muitas vezes opacos e invisíveis do cotidiano comezinho, feito também de grandes tragédias. Com texto e imagens silenciosos que convocam os leitores à intensidade do não dito e do não mostrado, Fronteiras visíveis celebra as pequenas coisas que nos fazem quem somos e que dizem muito de como vivemos.

Toda cicatriz desaparece reúne quarenta textos de Rogério Pereira, selecionados pelo escritor Luiz Ruffato, que têm como tema a infância. O pai bêbado e violento, a mãe doente e amargurada, a irmã morta muito jovem, a pobreza, a lembrança das avós e de antigos colegas de escola compõem as histórias contadas e recontadas pelo adulto impregnado pelo menino magrela e daltônico. Uma bola de plástico, um guarda-chuva velho e banhos em chuveiros improvisados com latas de tinta, assim como outros elementos recorrentes nas narrativas, estruturam uma infância indelével na vida do escritor adulto.

O cortiço, publicado em 1890, é um marco da literatura brasileira. Com atenção especial aos tipos humanos e aos detalhes que os compõem, Aluísio Azevedo constrói um panorama das classes baixas e de seus conflitos cotidianos, mostrando ao leitor que a relação entre explorador e explorado se manifesta em qualquer ambiente. É nos tipos clássicos de João Romão, Bertoleza, Rita Baiana e Jerônimo que encontramos o Brasil do passado e o do presente. Os fios narrativos são múltiplos, os conflitos dos personagens eclodem em cada página. Não há a ordem de começo, meio e fim que permeava a arte romanesca da época; a própria estrutura do livro parece estabelecida no caos e na lama dominantes – tudo acontece ao mesmo tempo, todos se tornam produtos das circunstâncias. É impossível sairmos indiferentes à leitura de O cortiço, um romance que provoca no leitor, na exuberância do seu naturalismo, todo tipo de reação.

Gregório de Matos foi o principal nome da poesia barroca brasileira. A maior parte de seus poemas contém sátiras bastantes sofisticadas com duras críticas a figuras públicas, a instituições que detinham poder, a pessoas do convívio diário e, até mesmo, à própria terra. Sua obra oferece, simultaneamente, uma amostra do melhor que o código barroco produziu em língua portuguesa e um retrato da vida em solo brasileiro durante o século XVII.

Reunião de sessenta poemas, selecionados e organizados por Leo Cunha em cinco blocos temáticos – amor e desejo; casa e família; saudade e memória; escrita e leitura; infância, juventude, maturidade e velhice –, Para onde vamos é sempre ontem é uma significativa amostra da produção poética de Ruy Espinheira Filho ao longo de muitos anos. O livro conta ainda com uma entrevista do autor, que fala brevemente sobre seus processos criativos e referências literárias, leitura de poesia e aulas de literatura e a relação entre poemas e letras de música.

Pela voz de um jambeiro, carinhosamente chamado de Eugênia em função de parte de seu nome científico (Eugenia malaccensis), os leitores são convidados a conhecer a história de uma família, especialmente de suas mulheres, e da construção de uma cidade. No centro da narrativa, estão Violeta, Rosa, Eugênia Flora e suas descendentes, com os vínculos familiares e afetivos que vão sendo construídos a partir delas. Por meio das experiências individuais de suas personagens, marcadas pela presença silenciosa da árvore Eugênia, o conto de um tempo, de um modo de viver, de amar e de lembrar é construído nesse sensível livro.

Mais comumente associada a números, contas e fórmulas, a matemática traz em si muitas histórias e convites para pensar e compreender o mundo. Em diálogo com a literatura, propõe jogos e enigmas abstratos de considerável beleza e interesse para quem se dispõe ao exercício de imaginação. O enigma do infinito convida os leitores a curiosos percursos entre letras e números, apresentando e explorando palíndromos, lipogramas e paradoxos, discutindo a ideia de infinito, revelando a graça da lógica e muitos outros bonitos mistérios a serem experimentados para além do uso aplicado do conhecimento.

Grão de arroz é uma narrativa visual que conta a história de Betânia, uma personagem que é afastada da de sua mãe para morar com sua avó em um ambiente frio e nada acolhedor. Por meio das ilustrações e texto de Aline Abreu acompanhamos os refúgios que Betânia encontra nos livros e nas lembranças boas de seus pais. A obra trata sobre a vida, sobre um outro livro, sobre as miudezas que cabem na imensidão. É sobre crescer em qualquer condição, mas sempre perto daquilo que importa de verdade.

Sob as ordens do engenheiro João Gaspar está a construção de um edifício com infinitos andares, o maior arranha-céu de que se tem notícia. Contratado por um Conselho Superior para tal tarefa, mesmo sem conhecer as finalidades do empreendimento, seu dever é cuidar de cada detalhe da complexa obra e evitar, a qualquer custo, desavenças entre os operários, em razão da lenda de que, ao chegarem ao octingentésimo andar – sim, oitocentos andares! –, os conflitos entre os trabalhadores seriam inevitáveis. Além disso, João Gaspar não poder ter a pretensão de ver o prédio finalizado. Absurda, a narrativa de Murilo Rubião, mestre do realismo fantástico, tem sua estranheza poetizada pelas ilustrações de Nelson Cruz.

Acompanhados pela avó, que numa poltrona tece uma colcha, três irmãos (dois meninos e uma menina) exploram as estantes e leem na tarde chuvosa. Mas logo a menina, de 17 anos, desaparece e o menino mais novo quer saber onde ele está. Levado pelo irmão mais velho, o pequeno descobre que a irmã entrava nos livros, a convite dos personagens, que queriam ouvi-la contar histórias. Esse é o começo de uma aventura para a qual somente os leitores são convidados.

Nicolas, um jovem rapaz, acorda em um quarto branco, inicialmente preso a uma cama e posteriormente diante de vídeos em que ele próprio é o protagonista, e tenta entender o que está acontecendo. De acordo com as poucas pessoas com quem se encontra – médico e cuidadores –, o rapaz assinou um contrato, com a concordância de sua família, para estar ali. Mas tudo parece estranho e sem sentido para Nicolas, especialmente quando outro participante da experiência, também um jovem rapaz, começa a chamar sua atenção para pontos obscuros de tudo aquilo. Labirinto no escuro é uma trama instigante sobre ética e ciência.

A graphic novel é um relato autobiográfico que narra, a partir da história pessoal e familiar do autor, acontecimentos da Guerra do Vietnã. Filho de uma francesa e de um vietnamita, Truong era apenas uma criança quando sua família se mudou dos Estados Unidos, onde viveu por um período, para Saigon, nos anos 1960, pouco antes da chegada das forças estadunidenses e da intensificação dos conflitos no país. Marcadas pelo olhar infantil e por sua decantação ao longo do tempo, palavras e imagens constroem, retrospectivamente, uma visão equilibrada dos interesses e forças em jogo naquele momento.

Sentado no corredor de um hospital, um menino tenta entender o que espera e, nesse tempo, observa o que acontece ao seu redor. Sozinho, sentindo frio – ele e a mãe saíram de casa às pressas, após um telefonema –, com uma caderneta azul nas mãos, ele escreve-desenha-conta sua história, a da mãe grávida e a do padrasto, um motoboy que acaba de sofrer um acidente. Silenciosamente, cuida de seus medos e tenta não se sentir tão só naquele lugar vazio e gélido, ao mesmo tempo que pensa em sua vida. Rabiscos é uma narrativa sensível em que texto, imagens e projeto gráfico contam juntos pequenos momentos de solidão e de descobertas de seu narrador.

Dois adolescentes são soterrados pelo desabamento de um prédio em construção durante um encontro às escondidas. Amedrontados e ansiosos para saírem dessa terrível situação, conseguem apenas ouvir um ao outro. Para suportar o tempo e encontrar uma maneira de se tranquilizarem, esperando que alguém descubra onde estão, passam a noite conversando, criando um ambiente íntimo que dificilmente seria possível de outra maneira. Composta exclusivamente de diálogos, a narrativa é um passeio sensível e inventivo por questões sociais, econômicas e afetivas que tocam a muitos jovens.

Tiago é adolescente e vive com a tia, acreditando que seus pais foram tentar a vida em outro país. Perseguido por colegas na escola, acaba se envolvendo com Franco, um jovem sedutor que anda de moto e tem uma arma. Apesar de conhecer os limites que devem ser respeitados em sua relação com Franco, a descoberta de que seu pai morreu na prisão e de que sua mãe fugiu com outro homem deixa o menino desnorteado e vulnerável às aventuras da rua. Detido em uma instituição para menores infratores, após o aparente envolvimento em um assalto, Tiago, que encontra na leitura de livros um amparo emocional, revê sua história e tenta recomeçar sua vida ao lado da tia.

O título do livro já anuncia um pouco de suas promessas: a concisão e a delicada intensidade dos haicais, que muito dizem em apenas três versos, em imagens. Mas Haicais visuais, de Nelson Cruz, vai além do que promete: em dez breves narrativas feitas com imagens – três quadros, cada, como os versos japoneses –, somos levados a muitas histórias, algumas delas reinvenções de personagens e obras que muitos de nós já conhecemos, outras pequenas explosões e sustos de poesia. Bem-humorados e delicados, os poemas visuais do livro são um exercício de beleza na aparente simplicidade.

O herói dessa história é à moda antiga: de armadura, capacete e espada, não demora a se apresentar para defender pessoas que imagina estarem correndo perigo. Mas, por prudência, sua valentia vem sempre acompanhada de uma conversa inicial, que dá ao imaginado malfeitor a chance de se explicar. É assim que situações aparentemente conflituosas se mostram apenas brigas entre irmãos, intrigas de comadres, discordâncias entre marido e mulher, disputa entre patrão e empregados, confusão de cão e gato. As tentativas de heroísmo do personagem guardam curiosas e divertidas surpresas para os leitores.

Bituc, Trip, Groba, Croc e Troglo são monstros que, de segunda a sexta-feira, arrasam na hora de assustar, mas, como todo mundo, depois de um dia de trabalho, eles querem relaxar. Bituc nina seu bebê, Trip assiste à TV, Groba lava a louça, Croc lê histórias para seu filhote e Troglo brinca no balanço. No final de semana, eles se encontram para tocar em uma banda e descansar. Apesar de parecerem assustadores – afinal, esse é seu trabalho! –, todos carregam certa ternura no olhar, convidando os pequenos leitores a uma imaginária cumplicidade. O texto propõe uma leitura ritmada, que pode se tornar uma divertida brincadeira com as crianças. As ilustrações dão forma a monstros curiosamente terríveis e engraçados.

Nem sempre sabemos explicar nossos desejos, ainda que tenhamos certeza deles. Assim é a história do personagem desse livro, que queria ser árvore. Era junto à árvore do quintal de sua casa, que já estava lá quando ele nasceu e que acompanhou seu crescimento, que o menino se sentia mais pleno e em paz. O pequeno cuidava da árvore grande, às vezes até mesmo em enfrentamento à natureza, com seus episódios de seca e de água em abundância. Cada um à sua maneira, eles se protegiam. E também a seu modo, árvore e menino se guardaram, fraternamente, por toda a vida.

O que acontece aos minutos, aos segundos e à morte quando o tempo escapa do relógio e para de acontecer? Pode o vento levar um grito e o que ele contém? Nessa reunião de poemas, Marcos Bagno oferece aos leitores a experiência da poesia, de dizer, ler e ouvir o que juntas as palavras constroem. O amor, a saudade, a homenagem a uma poeta, o desejo de algo que está lá e ainda bem-humoradas narrativas e brincadeiras com palavras e sons. As ilustrações de Marilda Castanha, intensas, criam versos visuais, que ora acompanham os escritos, ora deles destoam, reinventando seus caminhos.

Os vinte e cinco poemas desse livro são um elogio às infâncias e à fantasia. Com texto e ilustrações, Leo Cunha e Anna Cunha passeiam por brinquedos e brincadeiras que fazem parte da história das crianças brasileiras, as de hoje e as de ontem: amarelinha, varetas, pula-carniça, bola, boneca, dominó, esconde-esconde, bambolê, vaca amarela, videogame... Os versos e os livros, e também o gesto de arranjar as palavras em poesia, fazem parte desse inventário, que recria a memória com ritmos, melodias, cores e, claro, sons imaginários da alegria de brincar.

Em um dia de trabalho em seu jardim, o leão encontra um pássaro ferido e o leva para sua casa, enquanto o bando do qual o pequeno fazia parte continua sua viagem. Os cuidados com o bichinho, dia a dia, durante um longo inverno, se transformam em uma terna amizade entre os dois, que juntos enfrentam os dias frios. Mas seguindo sua natureza, chega o momento em que o pássaro precisa se despedir do amigo e retomar seu caminho. Contada com silenciosas palavras e imagens que dizem muito aos leitores, em um convite de leitura que exige tempo dilatado, a história de amizade entre o leão e o pássaro é um elogio à delicadeza e à liberdade.

A vida tranquila de um menino que vive no campo com seus pais é significativamente afetada por um misterioso e promissor encontro. Atraído por borboletas vermelhas para o meio da mata próxima à sua casa, ele encontra uma linda menina, de quem nada sabe, e se rende a seus encantos. Brejeira, a pequena se mistura com a natureza e o deixa fora de si ao cheirar uma flor oferecida por ela. Despertado por seu cachorro, ele acorda do susto e volta para sua casa, onde passa longos anos olhando a mata pela janela, até a velhice, pensando na apaixonante personagem e sonhando com sua volta.

Os pequenos poemas que compõem esse delicado livro estão arranjados em quatro partes, nomeadas pelas estações do ano. Os poemas que declamam o verão são ilustrados com cores claras e quentes, que transmitem o calor e a alegria desenhados pelos versos. O outono e seu frescor ventilado chegam nos sons imaginados das folhas secas. No inverno, cores e versos se fundem na sensação de frio. Na primavera, as palavras e as imagens anunciam o novo ciclo de luz e de expectativas. Os leitores são convidados a perceber o tempo que passa nos movimentos da natureza e na atenção a pequenos acontecimentos da vida comum.

Uma menina narra sua lembrança mais feliz de viagem, curiosamente feita dentro de uma casa, em Salvador. Acompanhando a avó, que vai visitar duas amigas bem velhinhas, a pequena embarca em uma viagem imaginária com as duas senhoras, que fazem da colcha de retalhos que tecem um objeto de memória e de fantasia. Depois de colocarem seus chapéus, tendo a menina como convidada, elas viajam pelo mar até chegar a Itaparica. Em seu trajeto, cantam, contam suas lembranças e acenam para os barcos que passam, além de se assustarem com um temporal que se anuncia. Essa aventura fica para sempre na memória da menina.